Muitos já tentaram definir o Jornalismo de viagem e outros afirmam que ele não existe. Porém, após cursar um mestrado inteiro sobre este tema, cheguei a conclusão mais simples e direta possível: jornalismo de viagem é a profissão de quem escreve para viajantes e turistas. Assim como o jornalismo esportivo informa os amantes do esporte e o jornalismo gastronomico, informa quem ama cozinhar e comer.
Dado este contexto, esta é sim uma das opções de especialização para quem cursa jornalismo, embora seja uma das mais ‘nichadas’, e com um mercado bastante volátil. Quando a economia de um país aperta, deixar de viajar é uma das primeiras atitudes da população.
Um simples passeio pelas bancas de jornais da Av. Paulista pode deixar este exemplo mais claro. Revistas de moda, saúde, gastronomia e decoração se mantém brilhando nas prateleiras e em Janeiro de 2023, encontrei apenas duas revistas de viagem. A Revista Viaje Mais e a Viajar pelo mundo. Enquanto isso, National Geographic, grande pioneira no setor, deixou de ser produzida no Brasil em 2019. Sem previsão de volta.
As revistas impressas ainda são uma possibilidade, porém, cada dia mais rara. Ao mesmo tempo, quem tem o sonho de se especializar no mercado de turismo vai encontrar maneiras de ter seus textos publicados. Por mais difícil que seja, como foi o meu caso. Existem algumas revistas mais especializadas, com tiragens mais largas, semestrais ou até anuais no Brasil. Além destas publicações, as revistas online seguem firmes, como é o exemplo da Revista Qual viagem.
Um ponto que tento sempre trazer é de que falar sobre turismo não está reservado apenas para cadernos especializados, como é o caso do novo setor de Lazer e Turismo da Folha de S. Paulo. Outros cadernos, como o de economia, cultura e gastronomia, podem abraçar temas relacionados a viagem. O que vai demandar criatividade do jornalista, e o trabalho de conectar temas e falar com dois públicos ao mesmo tempo. Trabalhar com programa ou realitys de televisão relacionado a viagem também pode ser um caminho para o jornalismo de viagem, um pouco mais conectado ao mundo do audiovisual.
Falar de digital é falar de SEO. Até mesmo portais especializados em turismo como é o caso do Viajes National Geographic publicam, entre reportagens e notícias, textos e listas otimizados para os mecanismos de busca do Google. Então, para entrar no universo do Jornalismo de viagem hoje, saber escrever para o digital deixa de ser um diferencial para ser um requisito básico. Dito isso, escrever para outros blogs maiores e portais de notícia cobrindo o mercado de turismo é uma das alternativas.
Criar um blog pode soar uma ideia ultrapassada, e criar um canal no YouTube, ou programa de Podcast pode soar mais atrativo. Porém, qualquer uma das opções que não seja o seu próprio domínio fica, em todos os casos, dependente dos algoritmos das plataformas que as hospedam. Sim, sites também são reféns do algoritmo do Google, porém, é uma opção mais segura e com formas mais diretas de monetização. Além disso, ter seu próprio projeto e linha editorial oferece a possibilidade de testar mais, analizar as suas próprias métricas e criar um portfólio do qual se orgulhe. Para assim conseguir novos trabalhos, parcerias e Press trips.
Compartilhar seus conteúdos de jornalismo de viagem em páginas de redes sociais ou em um canal de podcast é uma excelente maneira de contar para o mundo sua visão sobre as viagens. É uma das melhores formas de fazer contatos com jornalistas que estão trabalhando em coisas parecidas e, também, conseguir parcerias. O Linkedin, rede social de negócios, também é um ambiente que vale a pena ser explorado. Principalmente para contatos com agências de comunicação que levam contas de destinos e realizam viagens de imprensa, as tão adoradas Press trips.
Para quem trabalha como freelancer, ter um espaço adequado para escrever é essencial. Muita gente se adaptou bem com o home office, mas eu definitivamente prefiro a rotina de me vestir, sair de casa e voltar com a sensação de tarefa cumprida.
Se você também é assim, existem diversos coworkings no Brasil para conhecer, que além do espaço físico, oferecem um ponto de encontro, troca e networking. Pagar a mensalidade ou o day use de um espaço preparado como este pode ser um investimento alto, assim como o risco de sentir-se ‘preso’ a um só escritório. É por isso que recomendo conhecer a Get Croissant, uma plataforma que dá acesso a milhares de coworking pelo mundo, em um só lugar. Em São Paulo, o coworking da rede global de hostels Selina está incluido, e de sexta-feira ainda é possível aproveitar o happy hour do espaço.
Cafés e bibliotecas também são espaços que estão se adequando a necessidade dos nômades digitais. Recomendo o Coffee Lab na Vila Madalena, o Urbe Café na Consolação e a Biblioteca Brasiliana, na USP.
Muito ao contrário do que pensam, a maior parte do tempo do jornalista de viagem é na redação, e não dentro de aviões, barcos e trens. Embora, o número de Jornalistas de viagem que são, também, nômades digitais venha crescendo muito nos últimos anos. Estes sim, podem ser encontrados escrevendo dentro de um café qualquer, que se entra por acaso em diferentes partes do mundo.
Outro mito do jornalismo de viagem que é reforçado, inclusive dentro das redações tradicionais é que viajar é um luxo a ser concedido a jornalistas experientes. Ou uma espécie de aposentadoria, para jornalistas que trabalharam com temas densos toda a vida e agora podem se dedicar a realizar viagens pagas e comer em bons restaurantes. Mas a realidade é que viajar a trabalho, por mais que seja uma grande oportunidade, é muito diferente de viajar por lazer.
Os destinos, hotéis ou companhias aéreas que fazem o convite de uma viagem para jornalistas tem um grande objetivo: sair em meios reconhecidos a partir da credibilidade de um jornalista que não está sendo pago para publicar sobre determinada marca. Como é o caso da publicidade e dos Branded Contents, ou conteúdos de marca.
Justamente por esta razão, o jornalista não está de nenhuma forma obrigado a publicar nada sobre uma viagem que é convidado. Porém, os cadernos de jornais, páginas de revista e milhares de sites de viagem precisam ser alimentados e os viajantes querem saber sobre novos destinos e experiências. Então, muitas vezes, o jornalista de viagem consegue encontrar pautas interessantes dentro de uma viagem de imprensa. E acaba publicando sobre o destino ou tema da Press trip.
Neste último ano tive a oportunidade de realizar mais de cinco viagens de imprensa representando a Viajes National Geographic, e, pude perceber que quanto mais sentido tem um roteiro de viagem, com experiências que se encaixam entre si, mais fácil fica para elaborar uma reportagem. Assim como algumas oportunidades super exclusivas como a de comer em um restaurante com duas estrelas Michelin, e o acesso a uma entrevista com o chef.
Existem questões éticas que ultrapassam o campo do jornalismo de viagem e tocam o dia a dia, as viagens de férias e escapadas de final de semana, como por exemplo, respeitar a cultura local.
Mas neste caso, do profissional que viaja com a missão de voltar com material suficiente para produzir uma reportagem, é importante ir além. Desde um aspecto básico, como pedir autorização das pessoas antes de fotografá-las até as palavras e contextos escolhidos na edição final para retratar outra cultura.
E parece que é preciso reforçar ainda mais estes pontos quando se trata de uma viagem para países não ocidentalizados, visitas a povos originárias ou comunidades em situação de vulnerabilidade. Por exemplo, romantizar ou demonizar aspectos de outra cultura são extremamente prejudiciais e implicam no pensamento de que uma cultura é superior a outra.
Para finalizar, vale lembrar que para fotografar, filmar ou entrevistar crianças você vai precisar da autorização delas e dos seus pais. E mesmo autorizado, vale uma reflexão sobre a repercussão da sua reportagem na vida daquela criança e se ela gostaria de ser retratada desta forma quando for adulta. Não fotografe ou filme pessoas doentes, dormindo ou em qualquer situação de vulnerabilidade. E respeite a privacidade das pessoas, as pessoas não são atrações turísticas.