Branco, ao leite ou meio amargo, todo mundo tem um preferido. E até quem para aqueles que não poderiam sentir tamanho prazer, foram criadas versões veganas, zero lactose e zero açúcar do cremoso chocolate. Seja qual for a sua escolha, é difícil encontrar quem não tenha lembranças de infância relacionadas a esta iguaria na versão de bolos, sorvetes ou barras.
Porém, uma empresa holandesa de chocolates serve um sabor provavelmente ainda desconhecido: o chocolate 100% livre de mão de obra escrava. Para conhecer essa iniciativa, desembarcamos da estação Centraal de Amsterdã e seguimos por aproximadamente 400 metros.
A loja fica na região mais transitada da cidade, e é toda colorida e instagramável. Em seu café, são servidos desde suculentos bolos de chocolate até cappuccinos e achocolatados. O cardápio da loja começa a abordar alguns dos valores e um pouco da missão que envolve esse alimento. Mas o grande impacto fica no subsolo da loja, construída em uma tradicional casa holandesa.
Ao descer algumas escadas, uma fábrica de chocolates em miniatura se apresenta. E basta puxar alavancas espalhadas, para fazer cair amostras grátis dos diferentes chocolates da loja. Totens com iPads criam filas para a participação da lúdica atividade de montar sua própria barra. Com esta função, o cliente pode escolher as cores da embalagem, um nome para a etiqueta e ainda a cobertura, que varia de caramelo salgado até frutas vermelhas.
Porém, os painéis espalhados por cada uma das etapas chamam atenção de um jeito diferente. Neles são contadas histórias de jovens e adultos que passaram a maior parte de sua vida trabalhando em plantações de cacau, em condições análogas a escravidão. Um deles era Bebè, de 15 anos. E o painel continha a seguinte frase “As vezes sonho em ser jornalista. Assim você pode viajar o mundo e contar histórias e coisas que as pessoas não sabem”. Então faremos isto por Bebè, ao contar um pouco sobre como funciona realmente a produção do chocolate.
Este alimento que já foi considerado sagrado pelos povos originários da América Central, concentra hoje 60% da sua produção na África Ocidental. Esta cadeia produtiva que envolve empresas globais guarda segredos amargos, entre eles, o uso de trabalho infantil ilegal e escravidão moderna.
Tudo começa com os agricultores que cultivam, colhem, fermentam e secam os grãos de cacau. Eles trabalham em milhões de fazendas de Gana e Costa do Marfim, entre eles menores de idade e com condições análogas a escravidão. O valor (baixo) que recebem por quilo, depende do governo dos dois países e dos preços globais do cacau.
Os comerciantes transportam os grãos até os portos da África Ocidental e, de lá, são levados para Europa. O cacau chega em pilhas, sem certificação, e 70% dos grãos é processado pela multinacional Barry Callebaut e pela americana Cargill Incorporated. O produto é então transformado em barras, coberturas e pó de cacau, e vendido para bilhões de consumidores ao redor do mundo. Estas empresas exercem pressão para manter o custo de sua matéria-prima baixo, o que gera uma catástrofe humanitária.
Assim como nas grandes cidades, o patriarcado afeta também as plantações de cacau na África Ocidental. Nesta região, as agricultoras de Gana e Costa do Marfim podem ganhar de duas a três vezes menos do que seus colegas homens. E para completar o cenário, estes colegas já vivem abaixo da linha da pobreza.
Para mudar esta realidade, a rede de parceiros que luta pelo fim da exploração no ciclo do cacau tem algumas soluções mapeadas. Entre elas, a de desenvolver um plano de ação para abordar abusos trabalhistas e de direitos humanos, assim como incluir a implementação de leis e regulamentos internacionais relevantes — convenções existem, mas acabam não sendo aplicadas.
Segundo a holandesa Tony’s Chocolonely, empresas devem ser legalmente obrigadas a ser transparentes sobre sua cadeia de suprimentos e explicar o que estão fazendo para prevenir a escravidão e o trabalho infantil.
Romeu Alvaris Wohi Teme é gerente da ECOJAD, empresa responsável pela certificação de projetos com o Sistema de Monitoramento e Remediação do Trabalho Infantil. Ele acredita que medidas de urgência podem ajudar a mudar as condições dos produtores de cacau, mas que primeiro, é necessário identificar os casos.
“As condições de vida das pessoas está mudando. Mais e mais agricultores estão abrindo contas bancárias e não precisam pedir empréstimos à cooperativa. Também estamos trabalhando arduamente para reduzir o trabalho infantil” contou Romeu Teme, para Tony’s Chocolonely.
Assim como Romeu, outros parceiros ao redor do mundo que lutam pela causa tiveram suas histórias contadas no projeto Reframed.