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Bartira Menezes, a herdeira da Festa do Divino

Tempo de leitura: 3 minutos
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Bartira nasceu no bairro de Fátima, em São Luís do Maranhão. Lá sua avó Francisca era chamada de Dona Chiquinha e seu avô, José Maria, de Caxias. Bastava o sol baixar e o relógio marcar 6 para o resto da família chegar, carregado de instrumentos. Leva os acordes de seu avô e o timbre da voz de sua avó para todos os lugares que canta e toca pelo Brasil.

Cresceu também no Cruzeiro do Anil. Bairro do conhecido terreiro de tambor de mina Fanti Ashanti, para ela, a casa de seu tio. “A gente ficava mais no terreiro na verdade”, contou Bartira lembrando da infância. Conhecia a doutrinação da casa muito bem, mas era só passar da soleira que tomava chá de esquecimento. Sempre soube da importância de se manter os segredos.

Conheceu por sua família as tradições e brincadeiras populares mas acompanhava a Quadrilha, o Reisado e a Dança do coco das ruas de São Luís assim como as levas e mais levas de turistas chegando e partindo. Daniela Aquino foi uma destas. Mudou o rumo dessa história ao convidar Bartira, sua mãe Zezé e suas tias Graça e Dindinha para uma oficina de caixa do Divino na Associação Cachoeira, em São Paulo. Foi lá que Bartira percebeu que sabia muito sobre diversos assuntos que não estão na faculdade.

Depois do sucesso da oficina, pediram uma demonstração da festa do Divino. Para isso, mandaram do Maranhão um ônibus lotado de coroas, roupas do impérios e instrumentos. A demonstração se tornou a primeira, das dezoito festas que já foram celebradas na capital paulista. A cada ano novos ritos e rezas, como as famosas ladainhas para santos da igreja católica, são incorporados. Tem pra Santo Antônio, São João, São José, N.S. Aparecida, São Benedito e a indispensável novena de Santa Luzia.

O compromisso com a Santa começou quando Bartira tinha uns oito anos e corria distraída no quintal de seu tio, para ver televisão no vizinho. Entre as casas havia uma cerca de arame farpado, desgraçada.

Zezé deu um grito por presságio, mesmo de longe, no mesmo instante.
Encontrou sua pequena vestida de vermelho com as mãos nos olhos. A novena foi sua promessa, caso a filha voltasse a enxergar.

O médico atestou—O corte foi raso—devolvendo o ar que lhe faltava.

Bartira hoje comanda um projeto visionário.

Movida pela sua missão que é a festa do Divino, viajou para várias cidades do interior do Maranhão. Lá conheceu diferentes formas de celebrar as tradições e os ritos. Tais singularidades foram transformadas em uma websérie e um documentário chamados: “Itinerâncias de uma jovem caixeira”

Bartira sabe como ninguém o tanto que uma equipe de filmagem pode atrapalhar. Por isso, pegar o melhor ângulo nunca foi seu objetivo. “A ideia era filmar o que desse, com o máximo respeito” afirma. A diferença da diretora ser também a herdeira da tradição é escutar, em falas tão firmes quanto suas tranças “Sai daí, não quero que passe na frente” durante as filmagens.

Descobriu em suas itinerâncias festas de um dia, de quinze, de um mês. Sem nenhum homem, comandada por homens. Com muita e com pouca comida, sempre de graça. Atesta que não existe jeito errado. O intuito é cultuar Deus seja qual for a possibilidade de cada região. Está certo se sentir bem e fazer com amor.

Indispensável se tornou manter a tradição, que se perde com cada avó caixeira que se vai sem passar seus cânticos e ritos. “As caixeiras mais novas devem ter 60 anos” conta. Isso acontece no Maranhão todo. Ouviu em poucas cidades meninas e meninos querendo continuar a festa. Mas estes encontros alimentaram sua certeza de estar no caminho certo.

Caminho que percorreu desta vez como observadora. Pedindo sempre licença para entrar nas casas e para os registros. Ensinou o que sabia e aprendeu, muito. Quando era convidada para cantar ou tocar um pouquinho o fazia emocionada.

Sua ideia agora é devolver em forma de oficinas o documentário pronto em cada cidade que pisou. Também propor rodas de conversa, principalmente para os jovens, com a mensagem: “Olha, isso aqui é muito legal”, que vem de seu coração.

Tudo para manter viva a tradição, tanto em São Luís quanto no interior. Se depender de Bartira, vai.

Raquel Cintra Pryzant
Raquel Cintra Pryzant
Raquel Cintra Pryzant é editora do portal de viagem e gastronomia Sola no mundo desde 2017. Com mestrado na Espanha e experiência internacional, já colaborou com veículos como National Geographic, BBC, CNN, Skyscanner e mais