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Onde comer em Lima: uma viagem gastronômica pela capital peruana

Tempo de leitura: 7 minutos
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Esta viagem se inicia pelos principais bairros da capital, que conseguiu se modernizar sem perder suas raízes. Com paradas estratégicas em restaurantes com propostas inovadoras e seus chefs, que cultivam um profundo respeito com os ingredientes locais.

A comida criolla peruana pode ser comparada com a nossa culinária caipira. Repleta de preparos cozidos por longas horas, guisados suculentos e sopas nutritivas. Em contraponto, temos a acidez do ceviche, que nasce de técnicas trazidas por imigrantes japoneses no século XX.

Por mais diferentes que sejam, estes contrastes gastronômicos não apenas coexistem em Lima – se transformatam nas bases da cozinha Nikkei. Um exemplo clássico é o prato combinado, que pode ser encontrado em quase todos os restaurantes da cidade. Servido em trio, o combinado leva ceviche, arroz de marisco e chicharrón de pota – similar a nossa lula frita.

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O melhor lugar para comer o combinado em Lima, fica em um restaurante ordinário, no pouco interessante bairro de Surquillo. Mas a personalidade do chef e o sabor da comida valem a viagem.

Tomas Matsufuji é doutor em química, e entende os processos orgânicos da cozinha como poucos. Mesmo nos dias mais quentes, é possível encontrar Toshi entre altas labaredas, com um sorriso no rosto, atendendo um limitado número de pessoas por vez.

Ele foi protagonista da série “Street Food” da Netflix, mas mesmo com as vendas aumentando em 50%, segue se importando mais com o conteúdo do prato que com o ambiente do restaurante. Seu pai, Darío, foi um grande nome da cozinha Nikkei em Lima. E criar o Al Toke Pez foi a maneira que encontrou de honrar seu legado, sem se perder.

Todas as manhãs, pescadores enchem os mercados de Lima com frescos frutos do mar. As mais diversas batatas nativas das chegam das cordilheiras em caminhões lotados; e os aromáticos preparos amazônicos invadem as ruas. Esta abundância de ingredientes é o cenário perfeito para chefs criativos que valorizam seu entorno.

Um grande exemplo é o Virgilio Martínez, que comanda o Central -eleito pelo ranking 50 Best como o melhor restaurante da América Latina.

O fio condutor do restaurante é o de transformar produtos locais em pratos estrelas trazendo os diferentes biomas peruanos para o cardápio. O Central fica no charmoso bairro de Barranco, que é também nossa próxima parada.

Neste local, mansões de veraneio se misturam com refúgios de artistas e casas puídas de antigos moradores. Suas ruas, desiguais, são repletas de cores – e feirinhas de artesanato. Aqui música, arte e gastronomia se misturam em um mesmo ambiente.

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Boêmio é a palavra mais utilizada para descrever Barranco, mas o bairro realmente ganha vida ao atardecer. Os restaurantes que nasceram e resistem nesta região carregam parte da história da cidade. E seus clientes, fiéis, acabam levando seus filhos e netos aos domingos.

A Taberna Isolina é uma das mais emblemáticas nesta categoria. O restaurante de comida criolla oferece o melhor da culinária tradicional do Peru, em porções generosas. O local é comandado pelo chef José del Castillo, filho da Dona Isolina.

Ele cresceu entre as mesas da cevicheria de sua mãe, que até hoje cuida das sobremesas do restaurante. Autodidata, Isolina criou um cardápio autoral e teve um caminho árduo de muita luta para sustentar os filhos.

O chef abriu o restaurante com a vontade de seguir as receitas de sucesso da matriarca. Comer no Isolina é, de fato, uma experiência bem próxima do conforto de um almoço de família sem conflitos.

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Além da batata recheada com ragu -a tradicional papa rellena, e do Lomo saltado -prepado com carnes e vegetais, o Isolina serve alguns dos melhores coquetéis da cidade.

O pisco sour do Isolina leva o pisco Huamaní, destilado da uva. E além do limão, gelo e açúcar, o drink peruano é finalizado com uma espuma suave de clara de ovo e gotas levemente amargas de angostura.

Para a sobremesa, o ideal é seguir explorando as ruas de Barranco, e os ingredientes locais de Lima, como a lúcuma – fruta com casca verde-escura e polpa amarelada.

Seu sabor doce e aveludado lembra baunilha, mas ela não pode ser consumida in natura. A lúcuma é muito utilizada em vitaminas, tortas e sorvetes. Como nesta sorveteria ítalo-peruana que acabamos de chegar.

A BLU: il gelato del barrio – o sorvete do bairro, tem como conceito utilizar técnicas da Itália com os ingredientes locais da temporada. A gelateria foi uma das primeiras propostas artesanais em Lima, que no início dos anos 2000, sobrevivia de sorvetes industrializados.

Laura Lucangeli, sócia da BLU, é nascida no Peru, mas passou grande parte de sua vida na Itália. Foi lá que ela aprendeu as diferenças entre um sorvete e um gelato, assim como a importância dos ingredientes, sempre frescos, para um resultado perfeito.

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A sorveteria leva ‘do bairro’ no nome, pela proximidade com a comunidade. O local recebe exposições itinerantes de artistas e músicos nascidos em Barranco. Chegar na BLU é fácil, basta seguir o grande movimento de pessoas com casquinhas coloridas. Sorvete (ou gelato) na mão, hora de visitar o charmoso bairro vizinho de Miraflores.

Além de uma das melhores localizações para se hospedar, a região de Miraflores é perfeita para explorar a gastronomia de Lima. O coração do bairro é o Parque Kennedy, uma grande área verde no meio de avenidas com lojas, banquinhos, letreiros e bares.

Este é o endereço também da famosa sanduicheria ‘La Lucha’, que serve comida peruana rápida, sem medo de competir com o McDonald’s.

La Lucha nasceu em Miraflores, como um espaço pequeno que atraia os trabalhadores do bairro pelo cheiro de carne na brasa. Os leitões são assados por mais de 15 horas antes de se transformarem em deliciosos sanduíches.

A rede cresceu, e hoje conta com mais de 14 lojas no Peru, além de unidades na Colômbia e no Chile. O que não mudou foi sua essência, de utilizar ingredientes frescos, e locais, como a batata huayro.

Este tesouro culinário do país é cultivado nas terras altas dos andes, e apresenta uma variedade imensa de tonalidades e texturas. Resistente por natureza, estas batatas não precisam de tantos aditivos, como as amarelas comerciais que conhecemos.

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Só em Lima, são vendidas mais de duas toneladas diárias da batata frita huayro, conta o chef executivo Miguel Huaman. E nesta rede que conseguiu transformar o local em lucro, os clientes preferem tomar chicha morada, feita de milho roxo, que coca-cola.

As tardes no parque Kennedy se tornam mais doces com os Picarones da Mary. A partir de uma da tarde, ela começa a fritar as rosquinhas feitas com massa de abóbora e mergulhadas em calda de rapadura. Na fila da barraquinha vermelha, é possível ver tanto moradores locais como viajantes esperando sua vez.

Depois dos clássicos Picarones, seguimos até a costa para visitar um pedaço de Barcelona em Lima. Se trata do Parque do Amor, com bancos de mosaico colorido inspirados no Parque Güell, de Gaudí. A parte do ‘amor’, nesta praça, se completa com os poemas de diferentes escritores incrustados na obra com vista para o mar.

Mas não é só a Espanha que ganhou uma homenagem na cidade. Nossa próxima parada é em um restaurante que trouxe pela primeira vez os baos -pãezinhos chineses cozidos no vapor, até Lima.

O espaço do chef Javier Miyasato foi construído para transportar os clientes diretamente para Ásia. O grafite nas paredes e luzes neon terminam de decorar o espaço, que serve pequenos bocados com sabores potentes.

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Segundo o chef, a ideia sempre foi oferecer uma comida divertida, e os baos funcionam como um ‘luva’, para transportar recheios agridoces e apimentados. Além dos baos, o restaurante também serve sushis e guiozas, acompanhados de cervejas asiáticas.

A capital do Peru se tornou uma meca para os foodies. Entre as ruas com vista para a orla, estão surgindo novos restaurantes, e também cozinheiros, a cada dia.

Viajantes de todo o mundo desembarcam com fome na cidade. Sempre é tempo de visitar Lima, mas para viver esta atmosfera criativa, e, porque não, rebelde – agora é o melhor momento.

Raquel Cintra Pryzant
Raquel Cintra Pryzant
Raquel Cintra Pryzant é editora da CNN Brasil e editora-chefe do portal de viagem e gastronomia Sola no mundo desde 2017. Com mestrado na Espanha, e experiência internacional, já colaborou com veículos como a National Geographic, BBC, Skyscanner, FOLHA e mais