Definir o brasileiro é uma tarefa impossível, nossas raízes indígenas, europeias e africanas formaram um povo multicultural e multirracial. Nos orgulhamos pelo dom de transformar tristezas em alegrias e da nossa criatividade, gingado ou jeitinho, que não existe em lugar nenhum do mundo.
Vivemos em um dos maiores países e entre as maiores belezas naturais. Do topo de uma montanha até um pôr-do-sol na praia, bastam algumas horas de viagem. Temos o pulmão do mundo, a floresta Amazônica. Também as águas, nas Cataratas do Iguaçu. Somos o norte, o nordeste, o centro, o sudeste e o sul. Construímos laços em comum, mesmo sem nos conhecer. Dentro do Brasil, brincamos com nossas diferenças, mas coitado do estrangeiro, que decidir falar mal da gente.
Nossa história é violenta e nossa cultura possui também reflexos dela. O Brasil foi brutalmente colonizado e nossas tradições originárias, hoje, abraçam os santos da igreja católica e os tambores da África. Antes de sair pelo mundo, decidi conhecer o Brasil. Percorri nove estados e aprendi muito, conversei com pessoas sábias e vivi experiências transformadoras. Só tenho uma certeza: ainda tem muita história para conhecer entre aldeias, quilombos, festas, carnavais, vilarejos e museus.
Esse texto é um convite para aprender com aquilo que não está nos livros. Sotaques, danças, ritos, roupas e comidas. Conversar com pessoas que vivem nas mais deslumbrantes paisagens e se encontrar enquanto viaja pelo Brasil.
A cultura e história do Norte do Brasil têm influências dos povos indígenas que ali vivem, dos portugueses, a partir da fundação de Belém, e dos africanos, principalmente nos ritmos e músicas nortistas. O norte é a maior, das cinco regiões brasileiras, e lá você vai encontrar:
– Açaí: polpa da fruta roxa do açaizeiro consumida doce, salgada ou como suco
– Carimbó: estilo musical e dança
– Tacacá: sopa para tomar em cuia indígena, feita com tucupi e caldo de mandioca
– Círio de Nazaré: procissão católica em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré
Todo mês de junho, no interior do Amazonas, a cidade de Parintins recebe a tradição da Festa do Boi-Bumbá. O boi Caprichoso, vestido de azul, enfrenta o boi Garantido, de vermelho, em um Bumbódromo lotado. Lendas, rituais indígenas e costumes ribeirinhos se misturam em uma das mais preservadas manifestações culturais da América Latina.
O Tocantins guarda belezas naturais diferentes de tudo que conhecemos no Brasil. O Parque Estadual do Jalapão com seus fervedouros turquesas e dunas laranjas é um dos exemplos. A partir da cidade de Mateiros, há um ano, visitei o quilombo da Mumbuca e conheci a partir de Dona Antônia, a história de sua avó, a famosa Dona Miúda. Ela inventou o artesanato de capim dourado que conhecemos e criou a Associação dos Artesãos do Mumbuca, que todo mês de setembro, se reúne para colher o capim e celebrar.
A Marujada de Bragança, diferente das outras Marujadas da cultura do Brasil, não tem nada a ver com o mar. É uma festa que relembra a permissão de celebrar São Benedito, o santo preto, concedida aos escravos da cidade 100 anos antes da abolição. As marujas vestem saias vermelhas, blusas brancas e um chapéu de armação alta coberto por flores brancas, feitas com penas de pato. Tive o prazer de conversar com o Mestre Come-Barro, um dos mais respeitados mestres da região. Além de celebrar a Marujada, Seu Raimundo (Come-Barro) comanda pandeiros, rabecas, violas, cavaquinhos, cuícas, violões e tambores para a Brincadeira de Pássaro, a Toada a Folia de Santo Reis e o Carimbó, ritmo amazônida e patrimônio cultural brasileiro.
Todos os estados do nordeste são agraciados pelo mar. Foi a primeira região da história do Brasil a ser explorada pelos portugueses, a receber escravos da África e também invasores da Holanda, que deixaram suas marcas na arquitetura. Lá você vai encontrar:
– Frevo: dança e ritmo musical originária de Pernambuco com ritmo acelerado
– Acarajé: bolinho de feijão-fradinho recheado com camarão seco, caruru e vatapá de origem africana
– Capoeira: jogo de matriz africana que combina instrumentos como o berimbau e o pandeiro a movimentos de ataque e defesa
– Cordel: poesia popular recitada por repentistas e publicada em folhetos acompanhada de xilogravuras
A Festa Junina de Caruaru é a maior celebração regional ao ar livre da cultura do Brasil. Todo o interior de Pernambuco é tomado por fogueiras gigantes, pau de sebo, correio elegante, casamento caipira e, como a pamonha, outras comidas a base de milho, que tem sua colheita em junho. Além de São João, Santo Antônio e São Pedro também são celebrados. Caruaru é conhecida como “a capital do forró”, ritmo tradicional brasileiro.
O Maranhão é um dos estados do Brasil onde a Festa do Divino é mais forte. Conheci Bartira Menezes que, junto a sua mãe e suas tias, trouxe a festa do Maranhão para São Paulo. Ela se dedica a retratar diferentes formas de celebrar o Divino, na série “Itinerâncias de uma jovem caixeira”, tanto em São Luís quanto no interior. Alcântara, a 97km de São Luís, é palco de uma das maiores celebrações. No final da festa, após a chamada derrubada do mastro, começa a porção profana com o cacuriá, ritmo e dança típica maranhense. Atualmente o cacuriá conta com caixa, banjo, violão, flauta e outros instrumentos.
O sincretismo da cultura brasileira pode ser melhor compreendido em Salvador, capital da Bahia de todos os Santos. A grande Festa do Nosso Senhor do Bonfim, da Igreja Católica, acontece na segunda quinta-feira do mês de janeiro, mas uma semana antes, a cidade toda se mobiliza para a lavagem das escadarias da Igreja do Bonfim, na chamada cerimônia das Águas de Oxalá. A tradição teve início em 1773, quando escravos foram obrigados a lavar as escadas da igreja para a festa. Baianas de toda a cidade despejam água de cheiro ao som de toques e cânticos de religiões como o Candomblé, de matriz africana.
A região do Centro-Oeste é composta por Goiás, Mato-Grosso, Mato-Grosso do Sul e Distrito Federal. Além das influências comuns entre outros estados do país, estes têm influência boliviana e paraguaia, a partir de suas fronteiras. Lá você vai encontrar:
– Pequi: fruto utilizado na culinária sertaneja para temperar arroz e frango. Também utilizado como óleo por povos indígenas
– Procissão do Fogaréu: evento que simboliza a busca e prisão de Cristo durante a semana santa
– Cavalhadas: apresentação teatral sobre a batalha entre cristãos, de azul, e mouros, de vermelho
– Cururu: manifestação dançada entre desafios de violeiros homens com reco-reco e ganzá
O Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, idealizado por Juliano Basso, acontece todo o mês de julho na Vila de São Jorge, próximo de Alto Paraíso de Goiás, cidade conhecida como o “Pólo Místico” do país. Quem visita as cachoeiras do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros nesta época, se surpreende com shows de grandes nomes da cultura popular, forró e apresentações de danças como a Sussa, típica da comunidade Kalunga. O quilombo Kalunga fica em Cavalcante, a poucas horas de São Jorge, onde é possível conhecer a região do Vão das Almas e conversar com os moradores.