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Darío Blanco e a cultura dos povos andinos

Tempo de leitura: 4 minutos
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Conheci Darío Blanco ao redor de uma fogueira que clareava o céu de Tilcara, no norte da Argentina. Sua longa jornada estava chegando ao fim. Naquela mesma semana ele regressaria para a casa de sua família na província de Tucumán.

Tuco, como também era chamado, aceitou me contar sua viagem desde o começo. Somos de países diferentes, mas temos sedes parecidas.

Inaugurou sua história sorrindo entre as lindas Yungas, florestas que existem ao sul de Tucumán. Aquele lugar o marcou com um acidente, ou como prefere chamar, seu despertar.“Estava aos pés de uma montanha, quando a escultura de uma índia despencou no meu pé. Machucou meu dedo e quebrou meu osso. Depois dessa sequência, comecei a talhar madeira. O primeiro trabalho que fiz, com uma faca normal e sem esboço nenhum, foi um rosto aborígene”

Foi também a partir deste dia que Tuco começou uma busca fundamental sobre a cosmovisão dos povos andinos rumo ao Norte. Era agosto, mês da mãe terra, festa de Pachamama, quando Darío foi convidado a conhecer uma comunidade originária de Tucumán. Mal sabia que trabalharia em um totem de madeira. Encomenda da própria cacique.

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Lá conheceu a cultura dos Quilmes, povo andino que sabe diferenciar com tranquilidade os bens verdadeiros dos bens materiais. Em Salta, província seguinte, viveu nas tradições Calchaquies onde aprendeu a cultivar a terra de forma harmônica. A relação próxima com a Pacha é uma característica em comum dos dois povos diaguitas.

Darío precisava seguir sua viagem e quando deu por si, já estava no umbigo do mundo. A cidade de Cusco. Para ele, o Peru foi um ponto especial na sua busca por raízes. Pôde participar de uma verdadeira festa de Inti Raimi, o deus sol, que acontece em junho. “O sol é muito importante, além de nos dar energia diretamente, ele ilumina as plantas que consumimos e assim, seguimos nos nutrindo de sua energia”

Viveu e aprendeu com a cultura Inca. Deixou esculturas e totens de madeira pelo caminho e ganhou um novo nome: Xurac Wilca. Entendeu no Peru que assim como os pontos energéticos do nosso corpo, a Terra também tem chakras.“Todos sabem que Machu Picchu é um lugar muito energético e que os Incas foram extintos lá. Mas eles deixaram muitos símbolos em uma das linguagens que nossos ancestrais usavam”

Conta que é esse o motivo de tanta gente querer ir pra lá, todos os anos.“Hoje temos muito acesso a informação e muita cultura, mas a conexão que nossos ancestrais tinham com o todo, nunca saberemos decifrar”

Eles viviam da natureza, eram a natureza e captavam seus sinais. Previam tempos de chuva e de seca. Sempre olhavam para o céu.“Acima do cruzeiro do sul, existe a constelação de centauro. Observando essa formação, os Incas já sabiam que seriam invadidos. Por isso subiram para as montanhas. Foram guardar seus segredos”

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Foi ai que Tucu iniciou seu regresso. Do Peru foi a Bolívia, onde aprendeu sobre a Whipala, bandeira dos povos andinos.“Éramos uma só nação de quechuas, aimarás e guaranis até a dominação dos Incas. Whipala é hoje a união destes povos” A bandeira é sagrada por expressar a cosmovisão andina. Ela defende os significados e divulga os problema que os povos que vivem na Cordilheira dos Andes enfrentam.

A Wiphala reforça a identidade territorial, nacional e cultural enquanto reúne vozes para atingir o resto do mundo. Cada cor que forma a bandeira tem um significado:

  • Vermelho: o Planeta Terra (aka-pacha)
  • Laranja: a sociedade e a cultura
  • Amarelo: a energia e força (ch’ama-pacha)
  • Branco: o tempo (jaya-pacha)
  • Verde: a economia e produção andina
  • Azul: o espaço cósmico, o infinito (araxa-pacha)
  • Violeta: a política e ideologia andina

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A chacana, é outro símbolo forte, talvez o mais emblemático. Os quatro lados da cruz andina contém as quatro estações do ano, os quatro elementos e os quatro pontos cardeais. Em quechua, seu nome significa “caminho para o divino” ou “escada”. Seu centro simboliza o sol e também a cidade de Cusco.

Cada um de seus quatro lados tem três significados

Lado dos três mundos

  • Kay Pacha: Nosso mundo, o presente.
  • Hana Pacha: Mundo dos deuses, o futuro
  • Urin Pacha: Mundo dos espíritos, o passado

Lado dos três animais

  • Condor: paz, ar
  • Puma: força, terra
  • Serpente: inteligência, água

Lado dos três valores

  • Trabalhar
  • Aprender
  • Amar

Lado dos três sistemas

  • Aini: ajuda o próximo
  • Minka: ajuda o coletivo
  • Mita: ajuda a sociedade

São doze, entre infinitos significados que nem o Tucu, nem eu, chegamos perto de compreender.

Para ele, quem leva um verdadeiro caminho espiritual vive em conflito, a princípio, todos os dias.“Nem todas as pessoas são iguais, mas acho que todos nós, criados em valores materiais, vivemos mais externamente do que para dentro.”

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“Nossos ancestrais diziam que temos que viver como falamos, por que a vida, cedo ou tarde, vai entrar em conflito. Contra nós mesmos não podemos ganhar. Por isso acredito que uma pessoa deve viver como diz e que as palavras têm um poder incrível”

Como contei, tive a sorte de conhecer Darío no caminho de volta da sua jornada, um ano depois dele ter saído para uma viagem onde aprendeu tudo isso. Chegando em Tucumán, vai visitar sua família e entregar um bastão trabalhado para a primeira cacique que conheceu.

-Tucu, você está voltando satisfeito da sua jornada?

“Eu acho que existem três perguntas que são fundamentais de se responder. De onde eu venho, quem eu sou e o que eu vim fazer. E eu respondi sim, uma delas, mas guardo para mim”

 

Raquel Cintra Pryzant
Raquel Cintra Pryzant
Raquel Cintra Pryzant é editora da CNN Brasil e editora-chefe do portal de viagem e gastronomia Sola no mundo desde 2017. Com mestrado na Espanha, e experiência internacional, já colaborou com veículos como a National Geographic, BBC, Skyscanner, FOLHA e mais