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As Lendas Indígenas do Povo Pemon no Monte Roraima

Tempo de leitura: 14 minutos
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Fui até o Monte Roraima em uma época de fronteiras abertas, com a vontade de conhecer o Povo Pemon, que vive na região da Gran Sabana, Venezuela. Ouvir suas histórias, me conectar com a natureza, e nesse processo, aprender como se faz um documentário.

Antes de mais nada, é com imenso prazer que compartilho com você o resultado de um ano de trabalho: “Nas Alturas do Roraima” é um documentário de 20 minutos que resume, da melhor forma que encontrei, todos os aprendizados pessoais e as lendas indígenas de Roraima contadas por 5 personagens lá no topo do monte.

Documentário: Nas Alturas do Roraima (2020)

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Quer mais informações para viver essa aventura e subir o Monte Roraima? Eu viajo pela Worldpackers como voluntária, e você pode fazer o mesmo utilizando meu código de 10 dólares de desconto: SOLANOMUNDO10. Assim, você vai desenvolver novas habilidades ao redor do mundo sem pagar por hospedagem.

Voltando ao Roraima, neste artigo vou compartilhar, a partir da minha experiência, um pouco sobre:

  • Como foi gravar um documentário sozinha no topo do Monte Roraima
  • Onde fica a Gran Sabana, Venezuela: o paraíso das cachoeiras
  • Lendas Indígenas do Monte Roraima contadas pelo Povo Pemon
  • Trekking Monte Roraima: Quando ir, quantos dias e fotos
  • O Parque Nacional Canaima: altitude do Monte Roraima e mais
  • O Povo Pemon da Gran Sabana: cultura, história e tradição

Prepare sua mochila apenas com itens extremamente necessários, pois estamos prestes a iniciar um dos trekkings mais incríveis do planeta, na tríplice fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana.

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Como foi gravar um documentário sozinha no Monte Roraima

Você, leitor do Sola no Mundo, já sabe que viajar sozinha não é exatamente uma novidade para mim. Desde 2017 venho buscando experiências solas pela América Latina. Porém, posso afirmar que 7 dias de travessia, caminhando mais de 100 quilômetros, levando meu corpo ao limite enquanto gravava meu primeiro documentário foi um dos maiores desafios da minha vida.

Não fiz um roteiro elaborado, até porque, era quase impossível a missão de conhecer os personagens do filme desde minha casa em São Paulo. A comunidade de Paraitepuy não tem internet, então foi necessário embarcar em um avião até Roraima, cruzar a fronteira do Brasil com a Venezuela e pegar algumas horas de estrada para conhecer os indígenas do Povo Pemon, que hoje são meus amigos.

Gravei as entrevistas que realizei com Heber, Mauro, Ronaldo, José e Nelson com um smartphone e junto com uma GoPro, fiz algumas imagens de cobertura durante a caminhada. Minha grande sorte foi ter conhecido o Gabriel, do instagram @go.gabu, que tem um belíssimo olhar para direção de cena e imensa sintonia com o trabalho que eu precisava realizar. Gabu se tornou um grande parceiro de trabalho e amigo naqueles dias.

A edição foi a maneira de seguir me desafiando, mesmo sem trilha, sem Monte Roraima, sem nada. Fiz cursos online e reeditei o documentário mais de 100 vezes. O Nas Alturas do Roraima foi o conteúdo que mais me dediquei, e me orgulho disso. Qualquer comentário ou dúvida sobre gravar seus próprios documentários de viagem para Youtube, é só deixar um comentário aqui mesmo, ou, me encontrar pelas redes sociais. Seguimos.

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Paraíso das cachoeiras: onde fica a Gran Sabana, Venezuela?

Antes de realizar o incrível trekking do Monte Roraima, recomendo fortemente uma passada na Gran Sabana, Venezuela, que além do nome da região habitada pelo povo Pemon, é conhecida por ser um paraíso das cachoeiras.

A cachoeira mais impressionante é a chamada Oásis, seu nome dispensa explicações, por isso preferi ilustrar esse capítulo com as belíssimas fotos que tiramos neste dia.

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Infelizmente, esse paraíso de cachoeiras e todas as comunidades indígenas da Gran Sabana vêm sendo fortemente ameaçadas pelo aumento do Garimpo na região. São mais de 500 hectares ao redor do Parque Nacional do Monte Roraima – o Parque Nacional Canaima – já dominados pela mineração, contaminados de mercúrio e outros metais pesados.

O turismo, que movimenta a economia, acaba modificando costumes e objetos da cultura indígena da Venezuela, porém, perto da mineração, é uma das fontes de renda mais sustentáveis. A diminuição do número de viajantes devido a instabilidade política na Venezuela e os eventuais bloqueios na fronteira com o Brasil é um dos fatores que leva os moradores da Gran Sabana, grande parte indígena do povo Pemon, a trabalhar na extração de minérios. Realidade desanimadora, que contraria as leis dos homens e dos espíritos da Montanha.

Lendas Indígenas do Monte Roraima, Venezuela

Enquanto europeus tentavam dominar e registrar suas percepções sobre o Monte Roraima em seus documentos à tinta, o povo Pemon guardava, há séculos, suas próprias crenças a respeito do Roraima. Os avós, ou abuelos da comunidade de Paraitepuy contam diferentes histórias e lendas, que habitam o imaginário de visitantes até os dias de hoje.

O significado do Monte Roraima para o povo Pemon

Para os Pemons, o Monte Roraima é uma montanha sagrada. Ela é a mãe das águas e também, a morada de todos os seus ancestrais. A montanha se comunica com os viajantes que sobem abertos a viver tal experiência. José, guia e carregador do Monte Roraima – entrevistado no documentário – conta que não se deve gritar de forma alguma ao se atingir o topo do platô. A ideia é comemorar internamente, em uma forma mais meditativa que o famigerado “conseguimos” seguido de pulos e selfies. E ele tem total razão, a montanha e todos os seres que lá habitam merecem respeito, independente de suas crenças pessoais.

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Há, no mínimo 300 anos, o Povo Pemon vive entre grandes montanhas com um formato de mesa no Parque Nacional Canaima. Elas foram chamadas de Tepuis, e por essa razão, para os Taurepans, Arekunas e Kamarakotos – indígenas da Gran Sabana – o nome original do Monte Roraima é Tepuy Roröimo.

Entre as lendas do Monte Roraima e os espíritos que lá habitam, a maior premissa de todas é sobre vagar sozinho pelo topo do platô: uma péssima ideia. Já realizaram tal empreitada rebelde, mas os que foram não voltaram.

Trekking Monte Roraima: Quando ir, quantos dias e fotos

Realizei o Trekking do Monte Roraima com a @Exploratepuy, e foi uma experiência maravilhosa. Eles disponibilizam diferentes opções de expedição. Com menos ou mais dias. Eu fiz o trekking de 8 dias, com mais de 100 quilômetros caminhados.

O Heber, guia da expedição, é um amor. E todos os dias comemos refeições deliciosas e tivemos nosso acampamento armado antes de chegarmos nas cavernas onde dormimos. Neste documento, é possível encontrar mais informações sobre a viagem com a Explora Tepuy.

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O Monte Roraima está localizado em uma tríplice fronteira e por essa razão, lá no topo, caminhamos por partes brasileiras, partes venezuelanas e partes guianenses. Um dos pontos turísticos é o marco das 3 fronteiras. Um dos poucos lugares do mundo onde se pode estar, ao mesmo tempo, em três países diferentes.

Trekking do Monte Roraima: Primeiro dia

A expedição ao Monte Roraima, Venezuela, começa na comunidade de Paraitepuy,nde assinamos a lista de visitantes do Parque Nacional Canaima e iniciamos a maior aventura de nossas vidas. São 12 quilômetros da sede até o acampamento do Rio Tek. Logo no primeiro dia, caminhamos observando a imensa montanha em formato de mesa no horizonte de uma amarelada pradaria.

Chegamos no final da tarde, e antes de escurecer, deu tempo e tomar um banho gelado de rio, que funciona como antiinflamatório para os pés e pernas cansados. Ligamos nossas lanternas para um jantar à meia luz providenciado pelo pessoal da Explora Tepuy.

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Trekking do Monte Roraima: Segundo dia

O segundo dia é uma longa caminhada de 9 quilômetros até a base do Monte Roraima. A sensação de chegar cada vez mais perto dessa montanha sagrada é motivadora e durante o dia, ganhamos mais 800 metros de altitude. No dia 2 de travessia nós cruzamos o Rio Tek e o Rio Kukenan, uma experiência muito massa que requer a cooperação de todos os aventureiros. Chegamos no meio da tarde ao Acampamento Base, depois de um banho em uma queda d’água, fiz minha primeira entrevista do documentário.

Trekking do Monte Roraima: Terceiro dia

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O terceiro dia de expedição foi para mim o mais marcante, foram 6 quilômetros de subida. A caminhada é em meio a uma floresta, e depois de dois dias com o sol na cabeça, foi muito gostoso respirar esse ar úmido. O Paso de las Lágrimas é uma das passagens mais esperadas do Trekking do Monte Roraima, na qual caminhamos por pequenas cachoeiras antes de alcançar, finalmente, o topo do platô. A altitude do Monte Roraima é de quase 2800 metros, assim que, a partir do terceiro dia seguimos caminhando nesta altura pelo topo.

Saímos da floresta da subida para renascer em uma paisagem que permaneceu praticamente a mesma de 6 milhões de anos atrás, desde a Gondwana, o supercontinente do período Jurássico. Este lugar que um dia parou no tempo, é extremamente frágil a interação humana inconsciente. Mais de uma tonelada de lixo já foi retirada do topo do Monte Roraima, em uma ação organizada por guias locais com descidas de rapel para encontrar os resíduos nas fendas do platô.

Trekking do Monte Roraima: Quarto dia

Acordamos em nossas barracas dentro de uma caverna, ainda no lado venezuelano topo do Monte Roraima. Quando abri os olhos, foi difícil acreditar que estava tão longe de casa. Arrumamos nossos mochilões, com um pouco mais de 10 quilos, e fomos até o Hotel Coati ( lado brasileiro), a segunda caverna que nos abriga lá em cima. Nesta caminhada de 12 quilômetros, e uma média de 4 horas, passamos por rios e pedras gigantes, depois de termos subido na formação rochosa chamada de Maverik, pela similaridade de sua silhueta com a do carro antigo.

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Neste mesmo dia, no período da tarde, fomos até o mirante do Roraiminha. Eu pensei em ficar na gruta descansando, mas no final decidi ir. Foi a melhor decisão que tomei. Nesta tarde o céu se abriu e pudemos ver toda a savana, igrejinha e os rios que passamos lá embaixo.

Trekking do Monte Roraima: Quinto dia

Do Hotel Coati, a maior caverna do trekking, fomos até o Lago Gladys em uma caminhada de 5 quilômetros. Jamais imaginaria que no topo de uma montanha seria possível encontrar um lago imenso e verde. Fomos também ao mirante da proa, onde um vento tão forte que forçava nossa caminhada tomou conta da tarde.

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Trekking do Monte Roraima: Sexto dia

No sexto dia de trekking, começamos o caminho de volta a gruta que dormimos no primeiro dia, já próximo a descida. Neste caminho, passamos pelo Marco Triplo (na tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela), por El foso (uma cachoeira em um grande buraco no caminho), e depois de deixar as bagagens no abrigo, ainda fomos conhecer as famosas Jacuzzis (piscinas verdes naturais) e o Vale de Cristais ( o nome já diz tudo). São tantas paisagens diferentes lá em cima, que a sensação é de caminhar por outro planeta.

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Areia rosa no topo do Monte Roraima

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O incrível Vale dos Cristais

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As Jacuzzis do Roraima – piscinas verdes naturais

Trekking do Monte Roraima: Sétimo dia

Depois do café da manhã, iniciamos a descida do Monte Roraima. Passamos novamente pelo Paso de las Lágrimas, que não é um trecho extremamente perigoso, porém, requer bastante atenção do viajante. Não paramos no acampamento base, e depois de um dia inteiro de caminhada chegamos no acampamento do Rio Tek, onde passamos nossa primeira noite. Depois de tantas etapas para alcançar o topo do Tepui, descer tudo em um dia foi uma despedida um tanto quanto rápida.

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A Tortuga Voladora do Roraima

Trekking do Monte Roraima: Oitavo dia

Do acampamento do Rio Tek, refizemos o caminho do primeiro dia, desta vez ao contrário, até chegarmos a comunidade de Paraitepuy. Neste mesmo dia, ainda a tarde, voltamos para Santa Elena de Uairén. A cidade, depois de uma semana sem nenhum tipo de conexão, fica um território muito esquisito.

Quando ir para o Monte Roraima, Venezuela

A melhor época para fazer o Trekking do Monte Roraima é o verão, entre Dezembro e Março. Porém, eu fui em Julho e tive sorte de pegar um tempo bom. Todos os guias e carregadores dizem, que o clima do Roraima não é previsível, então pode acontecer de ir no melhor mês, e ter uma experiência parecida com a de outros meses mais nublados.

O chamado microclima do Roraima é caracterizado pela mudança brusca de temperatura e umidade do ar. Em poucas horas é possível pegar chuva, sol forte, ventos rápidos e uma tarde nublada. É tão maluco, que o tempo de pegar a câmera é suficiente para mudar o cenário. Por isso, independente da época que escolher para ir ao Monte Roraima, é muito importante estar preparado para diferentes temperaturas.

Lá em cima, no topo do platô, não existem grandes árvores nem animais, por que faz muito sol, e logo em seguida chove. Isso todos os dias. Entre as espécies que sobreviveram, consegui conhecer um pequeno sapinho preto, chamado Oreophinela quelchii – que quando ameaçado vira uma bolinha e sai rolando – samambaias e plantas carnívoras.

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O que levar para o Trekking do Monte Roraima

  • Para dormir: Isolante térmico ( de preferência inflável), sleeping para graus negativos, uma troca de roupa e par de meias que você vai reservar dormir mantendo-os sempre secos, travesseiro inflável ( eu levei aqueles de avião e funcionou muito bem.
  • Para vestir: Roupas leves de tecido dry fit, camisetas de manga curta e manga comprida, calças resistentes de trilha e botas leves para caminhada. Um chapéu ou boné é um item quase indispensável, que eu sofri um pouco por não ter levado.
  • Para comer: A Explora Tepuy providencia todas as 3 refeições, todos os dias. Então fica por nossa conta alguns lanches para o caminho. Barrinhas de proteína, gel de carboidrato, frutas secas, chocolates e saquinhos de whey protein fizeram parte das minhas refeições rápidas durante a caminhada, quando precisava da energia do açúcar ou da força para a recomposição muscular. Outros suplementos podem ser interessantes para essa jornada, vale se consultar com uma nutricionista.

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O Parque Nacional do Monte Roraima, Venezuela

O Parque Nacional Canaima, criado em 12 de junho de 1962, é considerado o sexto maior parque do mundo, sendo o seu território um pouco maior que a Bélgica. Ele está localizado ao sul da Venezuela, no Estado Bolívar, e além do Monte Roraima, o parque abriga outras montanhas em formato de mesa, como o Tepui Auyante, o Tepui Kukenan e o Tepui Chimantá.

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O Povo Pemon da Gran Sabana: cultura, história e tradição

O turismo é responsável por grande parte da renda das famílias da Gran Sabana, e a partir desta economia surgiu a profissão de “carregador” na qual os habitantes das comunidades indígenas que antes sobreviviam da caça, pesca, colheita e artesanato com ajuda mútua, hoje, dividem seu tempo entre tais atividades e o apoio aos turistas.

Além de cozinhar, montar e desarmar acampamentos durante os oito dias de expedição, os carregadores podem levar de 15 a 70 kg nas costas, durante uma caminhada de mais de 100 km. Em alta temporada, os carregadores podem chegar a subir 4 vezes o Monte Roraima em um mesmo mês.

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Essa que foi a aventura da minha vida, é a rotina de trabalho desses meus amigos, que começaram desde cedo, por volta de 15 anos, aprendendo com carregadores e guias de turismo mais experientes.

Para levar todo este material, os carregadores do povo Pemón utilizam uma cesta chamada Guayare, que já existia há muitos e muitos anos em sua tradição. Sua função a princípio era levar a caça e pesca de um dia de trabalho no campo para a casa, na comunidade. Hoje, a Guayare é instrumento de trabalho dos carregadores, que tem muita história pra contar.

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Thomas, Cris, Luiz, Cris, Heber, Gabu e eu em 2019

Quando for ao Monte Roraima, aproveite essa oportunidade rara de passar uma semana com moradores da Gran Sabana, gente que cresceu rodeada por estas incríveis montanhas com formato de mesa e tem muita, muita história pra contar. Além das lendas indígenas do Roraima, que rendem assunto para mais de uma noite, você vai se surpreender com a trajetória de quem vive dentro do Parque Nacional Canaima. Se possível, busque levar alguma doação para Paraitepuy e apoie as lutas e necessidades das comunidades indígenas da Gran Sabana.

Raquel Cintra Pryzant
Raquel Cintra Pryzant
Raquel Cintra Pryzant é editora da CNN Brasil e editora-chefe do portal de viagem e gastronomia Sola no mundo desde 2017. Com mestrado na Espanha, e experiência internacional, já colaborou com veículos como a National Geographic, BBC, Skyscanner, FOLHA e mais